Numa sociedade militarizada e marcada pela religião e um conflito permanente, os músicos da banda ‘Les Dinamites’ mantêm o espírito crítico, abordando temas politicamente complexos como o do famoso espião Vanunu, disse à Lusa o guitarrista Rob Bar, de Jerusalém.
“Vanunu era um espião israelita que vendeu segredos do Estado de Israel. Este tema tem esse sabor da espionagem. Vanunu foi raptado pelos serviços secretos [Mossad] em Itália e mantido preso durante muitos anos em Israel. O governo quebrou todas as energias que ele tinha. Este tema conta a história de Vanunu”, explica Rob Bar, enquanto se ouve a música.
Mordechai Vanunu nasceu em 1954 no seio de uma família judaica ortodoxa de Marraquexe e trabalhou no programa nuclear israelita no deserto do Negeve, tendo denunciado os planos de Israel à imprensa britânica em 1986.
Vanunu, afirmando-se como pacifista, acabou por ser raptado pela Mossad em Itália e mantido na prisão durante 18 anos, onze dos quais em regime de confinamento solitário.
O “famoso espião” foi libertado em 2004 e considera ter sido “um prisioneiro de consciência”.
A vida de Vanunu é um dos temas principais do disco de Rob Bar, líder dos ‘Les Dinamites’ de Jerusalém (guitarra elétrica, bateria e tuba): uma banda de “música ‘surf’ e ‘garage’ com sabores do deserto e do Mediterrâneo”.
Atualmente, a guerra calou a música e os concertos. Os artistas seguem os acontecimentos da guerra e da política para mais tarde “tirarem a viola do saco”.
“Não aceitamos os atos terroristas violentos e não aceitamos o militantismo e não concordamos com muitas coisas do Governo mas a arte em Israel existe e temos espírito crítico para não seguirmos líderes estúpidos. Por outro lado, adoramos o nosso país e a nossa própria cultura e tentamos não ser enganados”, sublinha o músico israelita, frisando que se vivem dias ainda mais complicados.
“A vida aqui é complexa. Não queremos ver um irmão ou uma irmã a morrer para depois aceitarmos os factos de ânimo leve. É muito complicado, mas somos músicos, tentamos projetar energia para enfrentarmos o horror que às vezes ocorre. Aqui vivemos à margem”, afirma.
Por outro lado, Rob Bar explica que a “cena do ‘rock n’ roll'” e da “música alternativa” em Jerusalém é muito interessante porque não se deixa influenciar pelas tendências da moda, “como em Telavive”, sendo que os músicos tentam manter “uma identidade que depois é projetada para o exterior”.
O guitarrista diz ainda que o facto de Jerusalém ser uma cidade multicultural enriquece – em dias mais calmos – a vida, a arte e a cultura.
“Em dias diferentes, não como estes, as pessoas trocam muitas ideias, o que faz com que tudo seja muito mais interessante. Nestes dias [de guerra] não se fazem espetáculos ao vivo, podemos ser atingidos por disparos de artilharia. Vivemos o dia-a-dia de outra maneira. São dias austeros. Temos de manter-nos em segurança e o nosso público em segurança”, explica.
Pelas ruas há soldados israelitas de ambos os sexos com espingardas automáticas à bandoleira e muitos levam também guitarras ao ombro e nem sempre cantam músicas de guerra ou hinos patrióticos, apesar da situação ser distinta comparando com a vida dos jovens do “resto do mundo”.
“O que se passa aqui em Israel é diferente. Vivemos permanentemente sob perigo. Não somos músicos contestatários como na Europa porque a nossa realidade é diferente. É uma situação muito complexa. Muitos de nós não queremos ser soldados mas a realidade obriga-nos a viver desta maneira”, conclui Rob Bar.
O disco em vinil dos ‘Les Dinamites’ continua a ouvir-se num pequeno bar encravado numa viela de casas de pedra perpendicular à Rua Jaffa no centro de Jerusalém, entre um quartel e a Porta de Damasco que dá acesso à Cidade Velha.
Apesar da guerra, há “rock’n’roll” em Jerusalém.
Fonte: Notícias ao Minuto