O monólogo ‘De Mary para Mary’, inspirado na autora britânica, defensora pioneira dos direitos das mulheres, Mary Wollstonecraft, e na sua relação com a filha recém-nascida, a escritora Mary Shelley, é estreado pel’A Barraca, esta sexta-feira, em Lisboa.
‘De Mary para Mary’ é um texto de ficção da atriz, dramaturga e diretora espanhola de teatro Paloma Pedrero (1957), criado em torno do último dia de vida de Mary Wollstonecraft, a autora de ‘Uma reivindicação dos direitos da mulher’ (1792), que morreu na sequência do parto da sua segunda filha, Mary Shelley, a autora de ‘Frankenstein’.
A peça, a nova produção que A Barraca estreia em Lisboa no Centro Cultural de Belém (CCB), traduz-se assim num diálogo com o público e com “um bebé invisível e intangível”.
O texto foi sugerido à atriz Rita Lello, que o interpreta, por sua mãe, a também atriz Maria do Céu Guerra, que lho dera a ler “há uns a anos”.
Lello achou o texto “muito bonito”, mas “foi sendo adiado”. No último ano, porém, a companhia decidiu “fazê-lo e candidatá-lo à Direção-Geral das Artes [DGArtes]”. “Infelizmente não teve apoio”, disse Rita Lello à Lusa. “Mas decidimos fazê-lo na mesma”.
“Filósofa iluminista, lutadora pelos ideais da Revolução Francesa”, de que era contemporânea, abolicionista, nos primórdios dos movimentos anti-esclavagistas, “autora do primeiro manifesto feminista de vulto”, Mary Wollstonecraft é hoje entendida como figura fundadora central na luta pela emancipação da mulher, recorda Lello.
A dramaturga Paloma Pedrero parte da personalidade da pensadora do iluminismo e da sua importância histórica, para imaginar uma carta, numa espécie de “diálogo ficcionado”, dirigida por Mary Wollstonecraft, no último dia de vida, à sua filha recém-nascida.
Wollstonecraft morreu de infeção puerperal, que ainda se mantém como uma das principais causas de morte materna, como recorda Rita lello.
A peça coloca Mary Wollstonecraft a trabalhar no seu último livro. Ao mesmo tempo, “com alucinações próprias da doença”, convence-se “de que está a dar uma conferência”. Nesse imaginário, o público abandona a sala, e ela, sozinha, “continua a falar com a filha”, descreveu Rita Lello.
Este é um aspeto curioso da obra sublinhado pela atriz, pois, “hoje em dia, a medicina já diz que os bebés entendem o que lhes dizemos, e Mary era uma pedagoga, uma educadora” que defendia que a raiz da desigualdade daquilo a que chamamos ‘guerra dos sexos’ tinha como causa a educação no seio familiar.
‘De Mary para Mary’ é assim um texto de “metateatro”, “feminista”, no qual Paloma Pedrero “aproveita para partilhar o ideário de Mary Wollstonecraft”.
A autora britânica “tem um discurso muito mais integrador do que o radical que pautou o do século XX, até mais de integração do homem”, frisou a atriz.
“Ela é portadora de um feminismo em que homem e mulher partilham o mundo em companheirismo e igualdade”, reforçou a intérprete.
A peça é, por tudo isso, “um texto muito belo” que fala de preocupações sobre a natureza, a ecologia”, um texto-testamento.
Na ficção, Mary Wollstonecraft “deixa um manual à filha sobre como deve ser mulher e encontra enorme ressonância na nossa existência como mulheres e como homens hoje em dia”, concluiu Rita Lello.
Mary Wollstonecraft escreveu romances, tratados de filosofia, relatos de viagens, histórias para crianças, fez uma história da Revolução Francesa.
Em ‘A Vindication of the Rights of Woman’, título original da obra publicada em 1792, defende a igualdade da mulher perante o homem, um tratamento igual e uma ordem social cam base na razão. Para Wollstonecraft, a ideia de inferioridade da mulher era apenas justificada por esta ter menos acesso à educação, e menos oportunidades do que os homens.
Mary Wollstonecraft nasceu em Londres, em 1759. Teve por marido o jornalista britânico William Godwin, pioneiro do anarquismo. Em 30 de agosto de 1759, deu à luz a segunda filha, Mary Shelley. Morreria dez dias depois, vítima de septicémia.
Após a morte de Mary Wollstonecraft, Godwin confessou numa carta dirigida ao escritor Thomas Holcroft, seu amigo: “Acredito firmemente que não existe igual a ela no mundo. Sei por experiência própria que fomos criados para nos fazermos felizes um ao outro. Não tenho a menor expectativa de que o possa voltar a ser.”
Atriz, encenadora e autora teatral, Paloma Pedrero é licenciada em Antropologia Social pela Universidade Complutense de Madrid, diplomada em Psicologia Gestáltica e estudou Arte Dramática com Zulema Katz, Alberto Wainer e John Strasberg, entre outros.
Iniciou a carreira de atriz e dramaturga em 1978, como cofundadora do grupo independente Cachivache, para o qual também escreveu. Em 1985, fundou a sua própria companhia, Teatro del Alma, a que se seguiu a organização Caídos del Cielo, dedicada a ajudar, através do teatro, pessoas em risco de exclusão social.
Premiada com a peça ‘La llamada de Lauren’, em 1987, Paloma Pedrero soma mais de 30 peças e é uma das autoras mais representadas em Espanha.
Foi posta em palco em Portugal pela Útero – Associação Cultural, que em 2004 encenou ‘Cachorros de negro mirar’, e pel’A Escola da Noite, em Coimbra, que teve em cena ‘Noite de Amores Efémeros’, em 2011, numa temporada que contou com a presença da autora e com a sua leitura da peça ‘Yo no quiero ir al cielo (Juicio a una dramaturga)’.
‘”De Mary para Mary’, depois de uma récita em Leiria e de três no Litoral Alentejano, tem três sessões já esgotadas no CCB, após o que segue para cartaz para a sede de A Barraca, no Cinearte.
As sessões no CCB realizam-se na sexta-feira, às 21h, sábado, às 19h e, no domingo, às 16h.
N´A Barraca o espetáculo vai estar em cartaz de 16 de novembro a 17 de dezembro, com sessões à quinta e sexta-feira às 19h30, ao sábado às 21h30, e, ao domingo, às 17h.
‘De Mary para Mary’ tem tradução de Rita Lello, que assina a dramaturgia com a mãe, Maria do Céu Guerra.
A cenografia é de A Barraca, o figurino de Marta Iria, a iluminação de Vasco Letria, a operação de Luz de Ruy Santos e a sonoplastia de João Martinho (Ajagato).
Fonte: Notícias ao Minuto