UE enfrenta crescente xenofobia que ameaça o futuro do projeto europeu.

Partilhe esta notícia

A União Europeia (UE) está a avançar numa “direção perigosa” relativamente à forma “mais étnica” como muitos dos seus dirigentes e cidadãos pensam a “europeidade”, o que poderá pôr em causa o projeto europeu, adverte um relatório hoje publicado.

O relatório elaborado pelo ‘think-tank’ (grupo de reflexão) pan-europeu Conselho Europeu sobre Relações Externas e pela Fundação Europeia da Cultura (ECF), que constitui a terceira edição anual sobre o sentimento europeu efetuado pelas duas instituições, identifica o que classifica como três “pontos cegos” fundamentais em todo o bloco, nesta sua “deriva xenófoba”, argumentando que, se não forem resolvidos, podem ameaçar o futuro do projeto europeu.

De acordo com o relatório, intitulado “Bem-vindos à ‘Barbieland’ [Terra da Barbie]: O sentimento europeu em ano de guerras e eleições”, os três “pontos cegos” com que a Europa deve lidar sob pena de sofrer consequências graves são o facto de “os europeus não brancos e muçulmanos” terem experimentado no último ano “um sentimento de alienação devido à sua etnia ou religião”, um sentimento pró-europeu “morno” verificado na Europa Central e de Leste, e o “interesse limitado” pelas eleições europeias demonstrado pelos jovens, embora estes sejam “geralmente mais pró-europeus e tolerantes do que as gerações mais velhas”.

“Muitos europeus podem agora considerar o seu continente e as suas instituições políticas como ‘demasiado brancos’, ‘demasiado ocidentais’ ou ‘demasiado boémios'”, indica o estudo, elaborado com base em padrões de votação e dados das sondagens do último ano, para tentar determinar em que medida os cidadãos e os governos europeus manifestam um sentimento de pertença a um espaço comum, partilham um futuro comum e subscrevem valores comuns, em 2024.

Considerando então que “os europeus não brancos e muçulmanos, as pessoas da Europa Central e de Leste, e os cidadãos mais jovens da Europa” têm todos, no último ano, uma participação abaixo do desejado na Europa, “embora por uma variedade de razões”, o relatório considera que todos estes três casos “apontam para o mesmo perigo para o projeto europeu: a sua deriva para uma compreensão étnica, em vez de cívica, do caráter europeu”.

“A falta de voz dos habitantes não brancos e muçulmanos corre o risco de marginalizar ainda mais estes grupos, permitindo que a xenofobia floresça na política e no discurso da UE. O etnocentrismo incontestado dos políticos da Europa Central e Oriental corre o risco de normalizar essas atitudes em toda a região e no resto da UE. E, se os jovens europeus crescerem neste ambiente, alguns poderão adotar opiniões xenófobas, enquanto outros – se tiverem mais princípios – poderão rejeitar a UE, considerando-a como defensora de valores que não são os seus”, consideram os autores do estudo.

Relativamente ao primeiro “ponto cego”, relacionado com a etnia e religião, o relatório sustém que, na sequência dos ataques levados a cabo pelo Hamas a 07 de outubro do ano passado em Israel, e consequente resposta israelita, a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia identificou um grande aumento do ódio e da violência antissemita e anti-muçulmana.

“Uma vez que muitos líderes e governos europeus tomaram o partido de Israel no período que se seguiu, o relatório refere que se desenvolveu um cisma entre os cidadãos, o que deixou um grande número de muçulmanos na Europa em desacordo com a orientação da política governamental”, aponta o estudo.

De acordo com o relatório, “os primeiros lugares alcançados pela extrema-direita nas eleições para o Parlamento Europeu em França, Itália, Bélgica, Áustria e Hungria, bem como as fortes manifestações nos Países Baixos e na Alemanha, também alimentaram um discurso anti-imigração em grande parte da Europa, que está agora a chegar à corrente política em vários Estados-membros”.

Em relação aos outros dois fenómenos considerados preocupantes, o estudo observa que “as celebrações relativamente ténues do 20.º aniversário da adesão à UE em oito países da Europa Central e de Leste, combinadas com a fraca participação nas eleições para o Parlamento Europeu nesta região, refletem um arrefecimento do entusiasmo pela UE”.

Dados que sugerem, prossegue o relatório, que “alguns cidadãos estão desiludidos com os benefícios reais da adesão à UE, enquanto a normalização do euroceticismo na região indica uma mudança de atitude em relação à Europa”.

Já quanto aos jovens, o estudo comenta que “mostraram pouco interesse pelas eleições europeias”, sendo que, “quando votaram, muitos jovens apoiaram partidos de extrema-direita ou antissistema”, dando como exemplos “a Polónia, onde um partido de extrema-direita ganhou o voto dos jovens, e a Alemanha e a França, onde um grande número de jovens apoiou o Alternativa para a Alemanha e o União Nacional”.

“O sentimento europeu pode desgastar-se ou, pior ainda, florescer sob uma forma fechada e xenófoba se a corrente política continuar a legitimar a conceção étnica do caráter europeu”, adverte em jeito de conclusão o relatório.