Centenas de pessoas desfilaram hoje em Lisboa em protesto pela violência contra as mulheres, entoando as palavras de ordem que já se tornaram recorrentes nas manifestações sobre uma realidade persistente e números que se mantêm elevados
Passava pouco das 15h30 quando as centenas de pessoas concentradas no Largo do Intendente, em Lisboa, arrancaram a marcha em direção ao Martim Moniz, e depois ao Rossio, com faixas e cartazes com frases já ouvidas em manifestações anteriores: “Mexeu com uma, mexeu com todas”, “Justiça machista não é justiça”, “Não estamos todas, faltam as mortas” e “A nossa luta é todo o dia, somos mulheres, não mercadoria”.
A manifestação seguiu ao ritmo de um grupo feminino de batuque, colorida com cartazes, faixas e bandeiras, e com uma participação de várias gerações, contando com a presença da líder do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua, e do PAN, Inês Sousa Real.
Femicídio, violência doméstica, violência obstétrica foram temas visíveis do desfile onde também não foi esquecido um apelo à paz no Médio Oriente.
Maria Luísa Salazar, do Grupo de Ativistas em Tratamentos (GAT), um dos 20 coletivos que se uniram para organizar a manifestação de hoje, lembrou que a de hoje é já a 12.ª marcha, com uma adesão crescente e que “infelizmente”, continuam “a achar pertinente”, lembrando que em 2022 houve mais de 30 mil queixas por violência doméstica e que este ano, só até novembro, já morreram 25 mulheres.
“Esta é uma luta que tem que continuar, temos que sair à rua, temos que dizer basta à violência machista. (…) O que procuramos quando saímos à rua é lutar por uma maior educação para a igualdade, para uma maior sensibilização em todas as áreas de intervenção, seja justiça, acesso à saúde. (…) Queremos acreditar que esta união dos coletivos tem este impacto e é por isso que estamos aqui”, disse.
Já Dejanira Vidal, do Núcleo Feminista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, pediu mais apoios estatais aos coletivos que lutam em defesa dos direitos das mulheres e pediu “mais medidas e mais educação” sobre o tema.
Ainda antes do arranque do desfile, Mariana Mortágua sublinhou que “o maior problema de violência que temos em Portugal é a violência doméstica, é a violência contra as mulheres”, afirmando que o problema se combate com “uma mudança cultural”, mas não só, lembrando que nem sempre os agentes de autoridade que recebem as queixas estão capacitados para lidar com os casos, que na justiça ainda existem sentenças machistas, com juizes a revelarem preconceitos nas decisões que tomam, e que as dificuldades económicas e a crise na habitação impedem a emancipação de mulheres vítimas de violência.
Questionada sobre as declarações de Luís Montenegro (PSD), que a apelidou de “Cinderela” de Pedro Nuno Santos, candidato a líder do PS, a coordenadora do BE ironizou, aproveitando a data: “Não posso deixar de notar que tem graça que esse comentário tenha sido feito no dia em que celebramos a luta feminista e da emancipação das mulheres. Penso que se o líder do PSD tivesse alguma coisa de interessante e de importante a dizer ao país, não se perdia em comentários sobre princesas do passado”.
Pelo PAN, Inês Sousa Real frisou que “infelizmente continuamos a precisar de fazer mais”, desde logo a Assembleia da República e o Governo, que acusa de não terem nas suas prioridades a luta contra a violência sobre as mulheres e contra “contra uma desigualdade estrutural de género no nosso país.
Sublinhou que o PAN conseguiu para o Orçamento do Estado para 2024 mais casas-abrigo, com direito a acolher também os animais de estimação das vítimas, mas lamentou que tenha sido rejeitada a proposta “perfeitamente acomodável” de 500 mil euros anuais para garantir um gabinete de apoio à vítima em todas as estruturas do Ministério Público no país.
Nas filas da frente da manifestação, Dafne Rego, técnica de educação social de uma casa-abrigo, sublinhou à Lusa a importância de manifestações como a de hoje, para dar visibilidade a para mostrar às vítimas que “podem quebrar o ciclo de violência”, que por vezes se repete nas famílias, de geração em geração.
Dafne Rego nota que “há mais resistência e mais denúncias”, mas as que procuram ajuda por iniciativa própria ainda não são a maioria, referindo, por exemplo, que por vezes são as mães das vítimas que pedem intervenção.
Uns passos adiantada em relação a um cartão onde se lia “No caminho para casa quero ser livre, não valente”, Margarida Pereira, estudante universitária, referiu o medo de andar sozinha à noite na rua como o medo que mais mulheres vivem diariamente e não tem dúvidas em afirmar que “é preciso fazer muito em termos de mentalidades”.
“Não nos sentimos seguras a sair à noite, temos medo, temos que ligar a alguém para termos companhia e podermos pedir ajuda se acontecer alguma coisa. Enquanto não estivermos todas seguras não podemos parar”, disse.
De olhos postos na conversa, a filha de Diogo Jesus segue ao colo do pai em direção ao Martim Moniz, com a mãe e o irmão mais velho ao lado, a pé. A família marca presença focada sobretudo na violência obstétrica. Diogo Jesus e a mulher integram o Observatório de Violência Obstétrica (OVO), que no ano passado recebeu mais de 400 queixas sobre um problema “que a Ordem dos Médicos não reconhece”.
“Cá as más práticas no parto não são reconhecidas. Só quem se informa se consegue defender dessas más práticas”, criticou Diogo Jesus.
A 25 de novembro assinala-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres.